Guerreiros do Séc XXI

Este texto foi retirado de um artigo do NA Notícias do Alentejo e com o qual eu estou de pleno acordo, passo a transcrever.
Os Guerreiros do Século XXI


Yasser Arafat dificilmente poderá voltar a ser uma peça, importante ou não, no xadrez do Médio Oriente. Com ele desaparece a única referência, mais ou menos moderada, capaz de se manter num equilíbrio precoce entre os radicais islâmicos, palestinianos ou não, e as manobras dos conservadores israelitas que usam o "terror palestiniano" para conquistarem votos e reforçarem posições políticas. Foi Arafat quem levou a Al Fatah a abraçar a diplomacia, tem sido ele quem tem evitado maiores problemas na Palestina. Dando "uma no cravo e outra na ferradura" a velha raposa ia mantendo o equilíbrio possível.

Sem Arafat os radicais têm o caminho aberto. A Palestina, até agora, escapava à influência mais radical dos extremistas islâmicos que do Corão retiraram uma interpretação muito própria que justifica os seus meios. Uma interpretação que os islamistas moderados recusam e condenam, mas que o sectarismo social leva a que no mesmo saco sejam muitas vezes metidos todos os árabes.

Chamam a si mesmo "guerreiros de Ala", fazem a "guerra santa", "combatem os infiéis". Encontram finalmente um líder universal "Ossama Bin Laden ", um milionário saudita que a CIA treinou no combate contra a ocupação soviética do Afeganistão. Espalham-se anonimamente por todo o Mundo, treinados por homens que receberam a sua instrução para militar durante a Guerra-fria, as suas armas e teceram a sua rede de financiamento. Aproveitam-se do descontentamento profundo dos jovens que, na maior parte dos casos nada têm e se viram para Ala acabando por adoptar a leitura radical que outros fazem do Corão. Tornam-se "combatentes de Deus". Não combatem por uma bandeira, limitam-se a lutar contra um inimigo geral aproveitando as suas próprias armas - o neoliberalismo e a globalização.

Ao contrário das tropas convencionais enviadas para os combater, no Afeganistão ou no Iraque, eles pretendem "morrer em nome de Deus" e sentar-se junto ao profeta no Paraíso. Essa é a sua maior arma e uma que os exércitos convencionais não podem combater. Ossama Bin Laden tornou-se, com a acção espectacular do 11 de Setembro, o seu líder.

Elusivo, quase mítico, escapando há mais de dois anos à perseguição dos vários serviços secretos e policias. Muhamar Al Khadafy, nos seus tempos áureos, era um menino de coro ao lado do novo líder da "revolução islâmica".

A Al Qaeda é um estrutura também ela elusiva, difusa, sem paradeiro certo, sem quartéis-generais e, confessemo-lo, sobre a qual muito pouco se sabe até levar a cabo uma acção. O recrutamento de seguidores não é difícil em países onde impera a miséria e a exclusão social. A Al Qaeda limita-se a continuar o trabalho que o Hamas ou a Jihad Islâmica começaram recrutando jovens nos campos de refugiados palestinianos em Sabra e Shatila. Simplesmente essa mobilização hoje generalizou-se, estendeu-se às Filipinas, à Indonésia, a todos os países com comunidades muçulmanas desprovidas. Para não falar no Paquistão ou mesmo na Arábia Saudita ou no Egipto ou Marrocos. A amplitude da capacidade de recrutamento é completamente desconhecida, como desconhecidos são os meios financeiros que a suportam.

A Palestina até agora estava mais ou menos resguardada com Arafat que esporadicamente fechava os olhos às acções do Hamas ou da Jihad. Prendia alguns líderes que depois libertava, procurava que as cedências israelitas feitas em Oslo, há quase uma década, se concretizasse. A cada cedência, a cada recuperação de uma parcela do seu território, a cada passo em direcção à independência ou a uma fórmula transitória equivalente, Yasser Arafat acrescentava uma pequena vitória sobre os radicais. Mas para este equilíbrio o líder palestiniano tinha de ceder aos radicais, tolerá-los e dar à sua luta o sentido e um combate pela independência prometida em 1949.

Na Palestina, como no Sul do Líbano os combates, mesmo os ataques terroristas, tinham um sentido independentista, um cariz nacional, ao contrário da Al Qaeda que desenvolve uma guerra global contra o que considera ser também um inimigo global. Sem Arafat, com quem Ariel Sharom e George Bush recusavam negociar é possível que venha a ser encontrada uma solução, que agrade mais aos israelitas. Uma liderança nova, sedenta de reconhecimento internacional, pode vir a ceder em conquistas antigas conseguidas no Conselho de Segurança da ONU e das quais o velho líder não abria mão. Resta é saber se esses acordos se manterão, se existirá prestigio e capacidade para controlar os sectores palestinianos mais radicais ou se, pelo contrário os fundamentalista, sobretudo da Al Qaeda não irão tirar proveito dessas cedências.

Com Yasser Arafat prestes a desaparecer acentua-se a ameaça de a guerra contra Israel transbordar as fronteiras da Palestina - o que seguramente muito agradaria a Ariel Sharom que encontraria novo aliados tácitos junto dos países hoje reticentes e até críticos da sua política.

A actividade destes grupos indefinidos ultrapassa em muito o terrorismo dos "anos de chumbo" da década de 60 e parte de 70. Não é um terrorismo selectivo, não existem alvos preferenciais, não existem países de eleição, amigos, aliados ou neutros. Eles são os novos Guerreiros do Século XXI, como já alguém lhes chamou. Não são invencíveis. Mas não são as armas quem os irá derrotar. O enorme esforço militar americano no Iraque vai ser inútil num futuro não muito longínquo, mesmo que consigam controlar as cidades rebeldes. Os opositores lutam por ideais religiosos, mas também pelo seu país, assim se explica que os grupos de resistência sejam de origem sunita e xiita. Combatem, retiram, dispersam e reaparecem mais tarde, noutro lugar, com outros métodos o mais invencível dos quais são as bombas humanas.

A luta contra este novo exército tem de ser económica. As empresas têm de voltar a ter uma função social e os países desenvolvidos têm de investir no desenvolvimento dos desfavorecidos. Mas este combate não conseguirá ser ganho apenas por países e Governos, a comunidade financeira terá de ter um papel activo investindo e melhorando condições de trabalho. Em jogo poderá estar a sua sobrevivência nalguns desses paraísos de mão-de-obra barata.

Vamos lamentar o desaparecimento de Yasser Arafat com quem uma resolução para a questão palestiniana estava desenhada desde Oslo. A situação que fica em aberto só aproveita os radicais que neste momento, queiramos ou não, não estão a perder a guerra.


Benjamim Formigo

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